Como num tear de fios, a vida mistura cores e texturas que percorrem caminhos e dão forma a uma história única. Assim é a obra de Guiomar Marinho — tecida com mãos firmes, alma sensível e a coragem de entrelaçar jornadas.
“O artista olha as coisas de forma diferente. Ele vê uma coisa que os outros não veem”, declarou a artista.
Guiomar Marinho é uma das quatro agraciadas com o Troféu Sereia de Ouro, comenda criada pelo chanceler Edson Queiroz em 1971, que busca homenagear homens e mulheres das ciências, artes, negócios, iniciativa privada e serviço público. Neste ano, além de Guiomar, recebem o troféu:
- Adriana Costa e Forti, médica
- Oto de Sá Cavalcante, empresário
- Tasso Jereissati, empresário e político
A cerimônia de entrega do Troféu Sereia de Ouro será realizada na sexta-feira, 26 de setembro, às 20h, no Ideal Clube, em Fortaleza.
Artista plástica Guiomar Marinho é contemplada com o Troféu Sereia de Ouro 2025. — Foto: Thiago Gadelha/SVM
Guiomar Correia de Andrade nasceu em Rio Negro, no Paraná, em 1932. Ela é a penúltima filha de um engenheiro e uma doméstica. O nome artístico, Guiomar Marinho, veio após o casamento com o engenheiro civil cearense Cláudio Bomfim Marinho de Andrade.
Da união, nasceram as raízes que fincaram o casal no Ceará. Eles chegaram a Fortaleza em 1953 e nunca mais saíram.
Relação com a arte
Os primeiros contatos de Guiomar com a arte ocorreram ainda na adolescência, mas foi já adulta que ela aprimorou o gosto pelos trabalhos manuais. A artista se dedicou ao bordado, à pintura e à costura de mão. Mas, foi na tapeçaria de parede, nos anos 60, que encontrou a verdadeira expressão, mesclando fios de diversas cores e texturas, utilizando fibras naturais.
“Aqui no Nordeste tem tanta fibra. São fibras naturais, fibras vegetais. Eu comecei a produzir também na tapeçaria. Foi uma inovação total em termos de matéria-prima. Ninguém usava”, lembrou Guiomar.
As peças passaram a ser vendidas em uma loja construída pelo marido na antiga casa da família. O estabelecimento funcionou até 2013 e contribuiu para que a arte de Guiomar ultrapassasse as divisas do estado e as fronteiras do país.
Nesse entrelace de fios, Guiomar Marinho ajudou a tecer um novo tempo para o artesanato cearense. No final da década de 90, a artista percorreu o estado de ponta a ponta, levando conhecimento, técnicas e alinhavando oportunidades para centenas de artesãos. Com uma arte nascida dos tecidos, ela alinhava oportunidades e costurou caminhos por todas as regiões.
“A partir dela, o artesanato na tecelagem teve uma grande mudança. A Guiomar foi ao interior, fez oficinas com os artesãos. Teve um grande resultado porque nós pudemos colocar no mercado nacional, no mercado internacional. O artesão passou a se sentir mais valorizado. E a Ceart fazia uma rede de comercialização”, comentou a economista Josete Andrade.
Foram cinco anos saindo cedo de Fortaleza, dirigindo o próprio carro, para municípios do interior. Sentando no chão, junto aos artesãos, com a intenção de expandir a tapeçaria e despertar a grandiosidade simples do belo.
“Eu levei, por exemplo, uma série de revistas Vogue, coisas que tinham objetos bonitos. Elas folheavam, brincavam e diziam ‘Olha aqui, a cor e tudo mais’ [impressionadas com as imagens]. Na realidade, isso é uma didática. Didática minha mesmo. Eu achava que a pessoa só desperta se ela conhecer. Se ela não conhecer, como ela vai saber?”, explicou a artista.
Legado das obras
Os ensinamentos da artista guiaram o trabalho de artesãos como o Gilmar Martins. Desde os 12 anos envolvido com artesanato, ele lembra até hoje quando Guiomar levou as oficinas do projeto à comunidade onde vive, em Mucambo, no interior do estado.
“Eu via nela uma força de vontade, queria ajudar também em ver famílias felizes, sendo sustentadas através do artesanato. Como ela sempre falou: esse trabalho vai levar vocês longe. E foi o que aconteceu. A Dona Guiomar, para mim, ela não ajudou só o Carqueijo [distrito de Mucambo], ela ajudou vários grupos no estado do Ceará”, disse o artesão.
As obras da artista ainda permanecem vivas em equipamentos importantes para o cenário artístico do estado, como a Pinacoteca do Ceará, no Centro da capital.
Obra de Guiomar Marinho faz parte do acervo público da Pinacoteca do Ceará. — Foto: TV Verdes Mares
Guardada como uma preciosidade pelo governo do estado, a obra (veja na foto acima) é um dos orgulhos da coleção da Pinacoteca. De 1973, faz parte do acervo público do espaço. A peça está exposta em meio a trabalhos de outras artistas cearenses, reforçando a importância da atuação de Guiomar no cenário artístico feminina no estado.
“80% dos acervos públicos e privados são masculinos. Nisso, esse olhar, por exemplo, dessa obra que é da Guiomar Marinho, ela está ladeada pela Marieta Rios, que era uma importante artista nos anos 70, Nice Firmeza, que junto do Estrigas, fomentaram a arte e cultura desde os anos 60”, comentou Rian Fontenele, diretor-geral e artístico da Pinacoteca.
Já para artistas contemporâneos, como Zé Tarcísio, a obra de Guiomar vai além. “A Guiomar é uma mulher que investe no conhecimento, investe na busca, investe no que ela colhe para colocar o seu trabalho. Seja desenho, seja volume, seja cor, seja fibra. Isso tudo é muito lindo, é uma trama maravilhosa que ela tem”, destacou.
Inspiração na família
Movida não só pela paixão pela arte, mas também pelo amor à família, Guiomar Marinho desafiou padrões da época ao equilibrar a carreira e a maternidade. Hoje, os seis filhos, sete netos e 13 bisnetos celebram não só a trajetória profissional da matriarca da família, mas também os valores e o carinho que ela transmite.
“Ela rompeu com essa coisa da mulher ser dona de casa. Ela trouxe para nós, filhas, uma autoconfiança muito grande, que a mulher pode se lançar no mercado, trabalhar, estudar e ser alguém. Para mim, ela foi e continua sendo um exemplo, declarou Denise Marinho, filha da artista.
Guiomar Marinho deixou marcas profundas na família, nas paredes, nas mãos dos artesãos e na arte cearense. E agora, com o Troféu Sereia de Ouro, ganha o merecido aplauso de todo o Ceará.
“O Troféu Sereia de Ouro é algo que, pelo que eu entendo, procura reconhecer o valor e trabalho de alguém. Eu, agora, posso comemorar a minha história”, agradeceu Guiomar.
Guiomar Marinho com a família. Ela tem seis filhos, sete netos e 13 bisnetos. — Foto: Thiago Gadelha/SVM
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