Homem descobre câncer após transplante de fígado em hospital de SP
Meses após passar por um transplante de fígado, um paciente de 58 anos descobriu um câncer no órgão. A cirurgia aconteceu em 2023, em São Paulo, e exames mostram que o órgão doado foi a origem da doença.
Mas situações assim são comuns? O que já se sabe sobre a origem do órgão recebido?
Veja abaixo cinco perguntas e respostas sobre o caso:
Qual foi a origem do câncer no órgão doado?
Quem recebeu o órgão e por que o transplante foi necessário?
Onde aconteceu o transplante e o que diz o hospital depois do caso?
Como o paciente foi atendido depois de descoberto o tumor?
Esse tipo de evento é comum ou já foi descrito antes na literatura médica?
1. Qual foi a origem do câncer no órgão doado?
Um teste genético de DNA realizado no fígado doado confirmou que as células cancerígenas não pertenciam ao paciente, mas ao doador do órgão.
Ainda não há informações sobre qual centro médico foi responsável por coletar o órgão, já que dados sobre o doador são sigilosos.
Exame indica que paciente pode ter recebido câncer da doadora
Arquivo Pessoal
De acordo com o Manual dos Transplantes (2022), publicado pelo Ministério da Saúde, toda pessoa considerada uma doadora apta passa por uma triagem clínica, laboratorial e de imagem para descartar infecções e neoplasias transmissíveis.
Os testes incluem:
exames sorológicos (HIV, hepatites, sífilis, citomegalovírus);
exames laboratoriais de função do órgão (como enzimas hepáticas e creatinina);
se houver suspeita de neoplasia, exames de imagem, como ultrassonografia ou tomografia;
e inspeção direta do órgão durante a cirurgia de captação.
Caso exista qualquer suspeita de tumor, o órgão é imediatamente descartado. Mas o próprio manual destaca que nenhum método é capaz de eliminar completamente o risco, porque células malignas microscópicas podem não ser detectadas.
2. Quem recebeu o órgão e por que o transplante foi necessário?
Geraldo Vaz Junior havia sido diagnosticado com hepatite C em 2010 e desenvolveu cirrose hepática, o que o colocou na fila de transplantes. Em julho de 2023, ele recebeu um novo fígado por meio do Programa Proadi-SUS, que conecta hospitais de referência a pacientes do SUS.
Maria Helena Vaz, esposa de Geraldo, detalhou ao g1 que a cirurgia foi bem-sucedida, mas sete meses depois, exames detectaram nódulos no fígado transplantado.
Geraldo Vaz recebeu um transplante de fígado, mas órgão tinha câncer
Arquivo Pessoal
3. Onde aconteceu o transplante e o que diz o hospital depois do caso?
A família do paciente Geraldo Vaz Junior divulgou que ele passou por cirurgia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O hospital não se pronunciou publicamente sobre o caso.
O g1 questionou o hospital sobre:
A comunicação ao paciente sobre o risco, ainda que mínimo, da transmissão de neoplasias por transplantes;
O acesso, por parte do hospital, aos exames realizados no doador antes do transplante;
Os protocolos sobre a realização de uma possível segunda checagem sobre a integridade do órgão;
O tratamento oferecido ao paciente após a descoberta do câncer.
O Hospital Albert Einstein não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta reportagem.
4. Como o paciente foi atendido depois de descoberto o tumor?
Após a descoberta, Geraldo recebeu um novo fígado, de acordo com a família. Apesar da intervenção, o câncer já era avançado e ele teve metástase no pulmão.
Hoje, é um paciente paliativo – em que a doença não tem mais cura – ainda segundo a família.
5. Esse tipo de evento é comum ou já foi descrito antes na literatura médica?
Segundo médicos especialistas ouvidos pelo g1, o caso é raríssimo, mas situações como essa podem acontecer.
O cirurgião transplantador pelo Sistema Nacional de Transplantes, Rafael Pinheiro, explica que casos como o de Geraldo são exceções, mas fazem parte do risco inerente ao ato de receber um órgão humano.
“Esse caso foi uma fatalidade. Por mais que o risco seja ínfimo, ele existe. Quando você recebe um órgão de outra pessoa, é possível pegar uma doença que estava em estágio tão inicial que nenhum exame conseguiria detectar.”
O oncologista Stephen Stefani, do Grupo Oncoclínicas e da Americas Health Foundation, detalha que esse tipo de situação é biologicamente possível.
“Pode acontecer de um órgão conter células tumorais microscópicas que não aparecem em exames de imagem. Isso é algo que a medicina reconhece como possível, mas é extremamente raro – tão raro que, quando acontece, vira relato científico”, explica.
Mesmo sendo bastante raros, casos como esse já foram descritos na literatura.
Um levantamento publicado no World Journal of Gastroenterology por Rajeev Desai e James Neuberger (2014) analisou mais de 30 mil transplantes no Reino Unido e identificou 15 casos de câncer transmitido pelo doador, sendo apenas dois deles em transplantes de fígado.
Os pesquisadores classificam o risco como “extraordinariamente baixo, mas não nulo” – inferior a 0,03% dos casos. Mesmo com triagem rigorosa, micrometástases podem escapar aos exames, principalmente quando o tumor é inicial.
Stefani lembra que não há falha técnica evidente nesses casos, mas um limite da própria ciência.
“Os protocolos de triagem são seguros e rigorosos. O que existe é a impossibilidade de garantir risco zero. Em todo o mundo, são feitos milhares de transplantes com sucesso. Casos como esse são exceções — não a regra.”
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