Dentre os 17 locais escolhidos como museus na região, há também aqueles que resgatam a relação do povo do Cariri com a natureza e as memórias ancestrais. Confira:
Onde as aves fazem morada
Museu Casa dos Pássaros do Sertão funciona como ponto de observação de aves no Cariri
No sítio Pau Preto, em Potengi, o Museu Casa dos Pássaros do Sertão é um refúgio para quem ama natureza. Criado em 2019, o espaço abriga mais de 220 espécies de aves catalogadas e registradas no site internacional E-bird. Mas não é só isso: ali, o visitante encontra hospedagem familiar, trilhas e uma história que começou há quase um século.
Jefferson Bob, fotógrafo e biólogo, herdou a casinha dos bisavós, que cultivavam algodão e criavam gado. Desde criança, ele visitava o sítio e sonhava em proteger aquele pedaço de mundo.
“É um projeto que a gente já desenvolve há bastante tempo com o turismo de observação de aves. Essa casa que foi reconhecida como museu orgânico Casa dos Pássaros do Sertão já era um lugar de passagem de observadores de aves. Nós adaptamos também para hospedagem de observadores de aves e é um dos principais pontos de observação de aves do Nordeste”, diz Jefferson.
Museu Casa dos Pássaros do Sertão funciona como ponto de observação de aves no Cariri — Foto: Arquivo pessoal
Segundo o biólogo, este é o primeiro empreendimento do Nordeste deste segmento, exclusivo para observadores de aves.
“A partir do momento que a gente é reconhecido como museu orgânico, que passa a integrar o projeto dos museus orgânicos do Cariri, ganha essa dinâmica de ter um público mais local que faz a rota cultural do Cariri também passando por nosso espaço”, conta.
O espaço virou santuário ecológico. “Áreas como essas acabam virando um santuário para as espécies. Isso nos ajuda a perpetuar a diversidade na região, principalmente as aves que elas espalham sementes da caatinga por todas as áreas. Esses ambientes preservados acabam virando uma ponte onde as aves podem ir se alimentar e depois levar as sementes para as outras áreas que precisam ser recuperadas”, explica Carlos Augusto de Alencar Pinheiro, chefe do ICMBio Araripe.
Doce resistência no sítio Lírio
O LaVida Museu de Agricultura Familiar da Chapada do Araripe tem na produção do mel uma de suas tradições. — Foto: Arquivo pessoal
Em Santana do Cariri, a apicultora Damiana Vicente encontrou na terra o caminho para permanecer. No sítio Lírio, ela e a família produzem farinha, goma, óleo de pequi, geleias e outros produtos. Em 2025, o espaço virou museu orgânico: o LaVida.
“Foi pela necessidade de viver no campo com qualidade de vida, de forma sustentável e rentável”, diz Damiana.
Mas foi através do mel agroecológico que a família se consolidou na região, estando entre os maiores produtores de mel do Ceará.
No sítio Lírio, a apicultora Damiana Vicente e a família produzem farinha, goma, óleo de pequi, geleias e outros produtos. — Foto: Arquivo pessoal
“A família vive do usufruto dessa floresta. Quando você está lidando com esse tipo de museu, você está lidando com a preservação da Chapada do Araripe, que é o motivo maior desse oásis, desse patrimônio da humanidade”, analisa Alemberg Quindins, gerente de Cultura do Ceará.
O projeto oferece hospedagem, visitas técnicas e experiências imersivas como forma de fortalecimento local. O artista João do Crato, em visita ao local, resume: “É um paraíso que precisa ser mais explorado. Sentir esse clima é uma experiência única.”
A força ancestral dos quilombolas
Mestra Maria de Tiê representa a quarta geração do Quilombo de Souza, no Cariri. — Foto: Helene Santos/Sistema Verdes Mares
No sítio Vassourinha, em Porteiras, a mestra Maria de Tiê mantém viva a tradição do povo preto do Cariri. Herdeira de uma linhagem que começou com seu bisavô — um homem que fugiu da escravidão e fundou o Quilombo de Souza — Maria representa a quarta geração de mestres.
“Eles trabalhavam com agricultura e também trabalhavam com a cultura. Meu pai e junto com irmão, com primo, com a comunidade completa. Eles cantavam juntos e dançavam o coco com a comunidade: com mulheres, homens e crianças. E eu também já acompanhava. Na barriga da minha mãe, eu já dançava o coco”, brinca.
Mestra do coco e do maneiro pau, ela também ensina culinária, artesanato e espiritualidade no museu que leva seu nome.
“Um patrimônio rico de memória. E dona Maria ficou na responsabilidade de trazer de volta tudo o que se fazia naquela época dos quilombos. Pisar nesse chão é pisar na ancestralidade desse povo. Aqui nós recebemos visita de todo o país, de outros países também, para pesquisar o trabalho da mestra Maria de Tiê. Ao pisar você já sente a energia porque você vai ter a vivência da cultura afro em todos os fundamentos das religiões, tanto católica, de terreiro, de umbanda, tudo se faz presente nesse espaço”, explica Josiel Bernardo, técnico do Sesc
Mestra Maria de Tiê representa a quarta geração do Quilombo de Souza, no Cariri. — Foto: Arquivo pessoal
O espaço atrai visitantes do Brasil e do mundo. A artesã Giovana Santos se emocionou ao conhecer o terreiro: “É uma emoção grande. Você está voltando ao passado sentindo o gosto, o cheiro do passado dos ancestrais dos quilombolas, e é maravilhoso! Estar aqui presente para assistir o espetáculo, fazer arte com elas é tudo de bom. Eu estou muito curiosa em saber como é a vida deles. Me admirei muito com os turbantes, as roupas, os brincos e vou até levar isso para o futuro para minha vida”.
Para Maria de Tiê, preservar é resistir. E resistir é dançar, rezar, ensinar. “Que essa cultura nunca se acabe, que sempre continue. A cultura é o que nos mantém vivos”, diz.
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