Segundo o infectologista do Emílio Ribas Ralcyon Teixeira, as razões para a alta dos números da doença neste ano incluem o ciclo natural de doenças virais, a circulação de diferentes tipos do vírus causador da dengue e a situação climática. O Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, tem uma grande capacidade de adaptação.
CDC
Em 2024, a dengue superou os 2 milhões de casos confirmados no estado de São Paulo e chegou a quase 2 mil óbitos, segundo o painel de monitoramento da doença alimentado pela Secretaria Estadual da Saúde (SES). Esses são os maiores números registrados desde o início do registro da série histórica no estado, em 2000.
De acordo com médico infectologista do Emílio Ribas, Ralcyon Teixeira, as razões para os recordes no número de casos incluem: o ciclo natural de doenças virais, a circulação de diferentes tipos do vírus causador da dengue e a situação climática (veja mais abaixo).
O especialista afirma, ainda, que a previsão para 2025 é de um aumento dos casos em relação a este ano.
“Em princípio, para o ano que vem, a gente pode ter um cenário pior do que de 2024. Porque as curvas dos casos de dengue estão em um patamar relativamente alto em comparação ao fim de 2023”, diz. “A gente esperava que tivesse um decréscimo, mas teve um pós-inverno ainda mantendo uma curva maior que a habitual que existia historicamente, o que preocupa bastante.”
Como explica Teixeira, ao final de cada ano, a partir da análise das curvas de casos daquele momento, os especialistas conseguem estimar as possibilidades para o próximo período.
Situação recorde em 2024
Os números da doença não bateram recordes somente no estado de SP, já que o país inteiro sofreu uma alta inesperada nas mortes e casos. Em abril, o Brasil já havia batido o maior número de mortes da série histórica.
Até o meio de dezembro, o país registrou mais de 6 milhões de casos confirmados e 5 mil mortes ocasionadas pela doença.
Segundo Teixeira, há uma série de fatores que explicam a realidade em 2024. São eles:
Característica cíclica do vírus
Teixeira explica que algumas doenças virais apresentam ciclos de infecção, que é o caso do vírus transmitido pelo Aedes aegypti.
“A dengue tem uma característica que, ao longo dos anos, ela tem alguns picos, algumas epidemias. Então parece uma escada, ela sobe, desce, sobe e desce”, explica. “O problema é que, desde o começo dos anos 2000, as subidas têm sido cada vez maiores, e as descidas, não tão grandes quanto a gente gostaria.”
Os padrões de repetição do vírus tendem a se repetir a cada cinco anos, o que resultou nas altas em 2024.
Circulação de diferentes tipos do vírus
Como aponta o infectologista, há quatro tipos da doença que circulam no país, que são conhecidos pelas siglas Denv-1, Denv-2, Denv-3 e Denv-4. Uma pessoa que já foi infectada pelo tipo 1 só pode contrair as outras variantes da doença. Ou seja, há a possibilidade de ter dengue quatro vezes na vida.
“Em São Paulo, a gente teve mais municípios com um maior número de mosquitos, dois tipos de vírus, dengue 1 e dengue 2, circulando dentro do estado, o que culminou com o aumento da curva.”
O especialista explica, ainda, que a predominância foi do tipo 2. E, nos últimos meses do ano, o tipo 3 começou a aparecer com mais frequência, o que ajuda tanto no aumento do número de pacientes reincidentes quanto nas dificuldades do combate ao vírus.
Situação climática
Um estudo da Universidade de Campinas (Unicamp) demonstrou que o aumento na temperatura, consequência do aquecimento global, impacta mais na alta do número de casos da doença do que a chuva.
Entretanto, como explica o médico infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a soma dos dois fatores também favorece a doença.
“A epidemia depende de vários fatores, mas um dos principais é se você tem um aumento de temperatura que favorece a proliferação do mosquito, se você tem um período de chuvas intensas”, diz.
As chuvas também são citadas por Teixeira como agravantes da situação. “A gente teve um período de muita chuva, já desde o final de 2023, que foi mais chuvoso e mais quente e acabou culminando, junto com os outros fatores, na maior proliferação da doença”, explica.
Um maior índice de precipitação e temperaturas mais elevadas são, justamente, as características que marcam o El Niño. O fenômeno climático determina mudanças nos padrões de transporte de umidade e variações na distribuição das chuvas e perdurou no Brasil do começo do ano até junho, afetando o número de casos da doença, como mostrou o podcast O Assunto.
Mosquito do Aedes aegypti, transmissor da dengue
Carlos Bassan/Prefeitura de Campinas
Além das razões citadas por Teixeira, especialistas explicaram à BBC News Brasil que a falha nas políticas públicas também cooperou para o avanço da doença em todo o território nacional.
“Já passamos do ponto em que seria possível reduzir o impacto da dengue. Agora, temos que mitigar o problema ou agir para que a situação piore o mínimo possível”, analisa o virologista brasileiro William M. de Souza, professor da Universidade do Kentucky.
Para ele e o pesquisador em saúde pública Leonardo Bastos, da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), as campanhas de conscientização sobre a dengue não estão funcionando.
“Nossa comunicação sobre as doenças infecciosas no geral nunca foi boa e tem deixado a desejar”, opina Bastos.
Dengue na capital
Na cidade de São Paulo, a doença também avançou. Até a semana epidemiológica que teve início em 16 de dezembro, a capital havia registrado 621.457 casos de dengue e 435 óbitos, segundo o boletim de arboviroses divulgado pela prefeitura.
Em abril, todos os bairros da capital já enfrentavam uma epidemia da doença. Um mês depois, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), admitiu que os altos índices da doença duraram mais tempo do que o esperado pela gestão.
Na época, a também médica epidemiologista do Hospital Emílio Ribas Ana Ribeiro explicou ao g1 sobre a possibilidade de subnotificação dos casos da capital.
“Existem dois critérios para confirmar [um caso de dengue], o laboratorial ou o clínico epidemiológico, que é quando você não tem o exame, mas o paciente mora em uma área que está tendo epidemia, então eu posso dizer que ele tem dengue”, contou, na ocasião.
“O que está acontecendo em São Paulo é que tem muito teste rápido. Ele dá negativo, e o paciente, teoricamente, devia colher uma segunda amostra porque pode ser dengue. Só que esses casos acabam sendo descartados porque é difícil o paciente voltar para colher uma segunda amostra”, afirma.
Já o prefeito negou que havia mais casos existentes do que os números divulgados pela Secretaria Municipal da Saúde, e ainda citou os testes rápidos como os responsáveis pela exatidão dos dados.
“Subnotificação na Cidade de São Paulo não tem, até porque é a única cidade que fez, com recursos próprios, a aquisição de 400 mil testes [rápidos] de dengue, que nós colocamos nas nossas 470 UBSs e UPAs. Portanto, em todos os equipamentos de saúde, a pessoa que estiver com suspeita de dengue vai poder fazer o teste”, disse. “A gente vai ter casos notificados maiores que os outros porque a gente tem o teste para fazer essa verificação.”
Em nota, a prefeitura informou que a “Secretaria Municipal da Saúde (SMS), por meio da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), seguirá realizando rotineiramente as ações de combate à dengue na Capital em 2025. Somente neste ano, foram mais de 11 milhões de ações, entre visitas casa a casa, orientações aos moradores, nebulizações e uso de drone aplicadores de larvicidas. Durante a sazonalidade de 2024, houve ampliação do número de agentes em campo de 2 mil para 12 mil, da frota de veículos para o transporte dos agentes de controle de endemias e de conjuntos nebulizadores (caminhonete e equipamento de nebulização veicular)”.
“No último dia 5 de dezembro, a SMS realizou o evento “Todos Contra a Dengue: Preparação para a Sazonalidade da Dengue e Demais Arboviroses 2025”, para alinhamento dos serviços de saúde na preparação para a sazonalidade do próximo ano, com ênfase na capacitação dos profissionais.”
Sobre a imunização na capital, a prefeitura destaca que “é realizada a aplicação de duas doses do imunizante, sendo a segunda dose (D2) três meses após a aplicação da primeira dose (D1). A vacinação da população elegível acontece em todas as Assistências Médicas Ambulatoriais (AMAS)/Unidades Básicas de Saúde (UBSs) Integradas, das 7h às 19h. De segunda a sexta-feira, a vacinação ocorre nas UBSs, no mesmo horário”.
Vacinação
Tanto no estado quanto na capital, os índices de vacinação não estão próximos do total do público-alvo, formado por crianças e adolescentes de 10 a 14 anos.
Segundo nota do governo do estado, de fevereiro ao dia 3 de dezembro, apenas 22,35% dessa população havia sido vacinada com a primeira dose. Os números da segunda dose são ainda menores, sendo que a cobertura foi de apenas 9,57%.
Na cidade de SP, a cobertura vacinal atualmente é de 45,7% para a primeira dose e de 25,1% para a segunda dose, conforme informações da Secretaria Municipal da Saúde.
O médico infectologista do Emílio Ribas, Ralcyon Teixeira, classifica o cenário vacinal como “confuso”.
“Assim, é um momento um pouquinho confuso em relação à vacina porque o Ministério da Saúde implantou isso no ano passado no Plano Nacional de Imunizações (PNI), mas colocou um monte de regra e tem um estoque limitado de vacina”, diz. “Isso levou com que as campanhas de vacina fossem bem difíceis de serem realizadas”.
Por esses razões, o médico diz que a vacina só será parte do combate efetivo a partir de 2026. “Vai ser a muito longo prazo, tanto do ponto de vista de saúde pública como no privado. Já que está bem difícil de achar a vacina até na rede privada”, conta.
vacinação contra a dengue em crianças e adolescentes
Prefeitura de Jundiaí/Divulgação
Preparos para 2025
Além das vacinas, que entram como aliada daqui a alguns anos, o infectologista cita as ações que podem ser tomadas pelas gestões para os números de registros de novos casos e mortes não sejam tão altos. Entre elas:
Alerta epidemiológico;
Intensificação do combate aos criadouros;
Compra de estoque de insumos para pulverização;
Intensificação do monitoramento das arboviroses;
Treinamento e capacitação dos profissionais que fazem a varredura;
Intensificação da educação da população para evitar criadouros nas casas.
O que diz a Secretaria Estadual de Saúde?
“A Secretaria de Estado da Saúde (SES) informa que monitora, de forma contínua, os casos de dengue e outras arboviroses no estado, acompanhando indicadores importantes para a avaliação do comportamento da epidemia e disponibiliza os resultados por meio de boletins e painéis informativos no portal do Núcleo de Informações Estratégicas em Saúde (NIES), disponíveis no link: https://nies.saude.sp.gov.br/ses.
Para 2025, será realizada a capacitação dos municípios para implantação de novas tecnologias para vigilância e controle do vetor Aedes aegypti; a gestão dos equipamentos aplicadores e dos inseticidas para repasse aos municípios; capacitação das equipes municipais para ações de controle do Aedes aegypti; apoio técnico e operacional para organização das atividades pelas equipes municipais; e monitoramento do estoque de inseticidas adequado para repasse aos municípios.
A SES atua na elaboração de diversos documentos norteadores, como a atualização do Plano Estadual de Contingência das Arboviroses Urbanas no estado de São Paulo com as recomendações para 2025; atualização das Diretrizes das Arboviroses do estado de São Paulo para 2025/2026; atualização da capacitação de Manejo Clínico das Arboviroses Urbanas no Estado de São Paulo para 2025/2026.
Por fim, um ofício foi encaminhado aos 645 municípios do estado e aos Departamentos Regionais de Saúde (DRSs) do Estado sobre a intensificação das ações de monitoramento dos casos notificados para arboviroses, assim como as ações de controle de criadouros nos meses de dezembro de 2024 e janeiro de 2025, tendo em vista o período das férias e as festividades de final de ano.
Neste ano, a SES, por meio da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD), realizou a Semana Estadual de Mobilização Contra as Arboviroses, de 11 a 16 de novembro, com a realização do Dia D de combate à dengue no dia 13 do mesmo mês. Além disso, foi realizado o Simpósio de Arboviroses em conjunto com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e o Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems).”
*Sob supervisão de Paula Lago